segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A PASSAGEM PELO UMBRAL É OBRIGATÓRIA?


                                                                   VIVA JESUS!

               Boa noite! queridos irmãos.
 

O termo umbral, utilizado no livro Nosso Lar (André Luiz/Francisco Cândido Xavier), alcançou grande popularidade no Brasil. Além da progressiva aceitação do livro, a difusão do termo deve-se, principalmente, às novelas, peças de teatro e filme, acompanhados por um grande público interessado em informações sobre a espiritualidade. Nessas apresentações o “umbral” é retratado como um local onde vão parar pessoas que cometeram erros em sua última encarnação. Nada mais simples e eficiente para atuar sobre o imaginário popular, que tende a pensar no umbral como outra designação para o conhecido purgatório católico.
Por outro lado, não são poucos os espíritas que conceituam o termo nesta visão: um lugar permanente destinado à passagem de Espíritos com pouca evolução, enfatizando os quadros de sofrimento e angústia vividos por seus habitantes. Esse retrato, fantasioso quanto à ideia de local permanente e de punição, impressiona negativamente aqueles que buscam o Centro Espírita. Alguns desses frequentadores, sem outras informações, “rezam” para ter um curto estágio nessa região. Adiantou-nos ainda um companheiro de ideal espírita que as pessoas explicam o receio do umbral, com lógica comparativa: “se André Luiz que teve uma existência no geral honesta e produtiva, cometendo poucos deslizes, ficou na tal região cerca de oito anos, nós todos vamos ficar por lá muito mais tempo”. Essa noção pode exacerbar os sentimentos de culpa e medo.
Em primeiro lugar, precisamos compreender que o livro Nosso Lar é classificado como um romance, não se tratando, portanto, de uma obra de caráter doutrinária (cunho científico). Em segundo lugar, o relato de André foca a experiência que teve no mundo espiritual, segundo a sua percepção. Cada um tem sua própria experiência a depender de situações particularizadas e muitos percebem os fatos a partir de como, antecipadamente, os interpretavam. Por exemplo, quem se acostumou com a ideia de anjo, pode perceber como tal a visão de um Espírito mais evoluído.
Essa doutrina de locais fixos destinados às almas pertence à teologia judaico-cristã, que divide o destino da criatura em três alternativas: o céu, o purgatório e o inferno. A primeira e a última são destinações eternas, da segunda pode haver translado para o paraíso a depender das orações intercessoras, conforme se supõe. Acreditava também, até há pouco tempo, que a mudança para o céu podia ser conseguida mediante doações generosas dos parentes em favor da alma do finado.
Entretanto, os Espíritos que participaram no trabalho da codificação chamaram o período de tempo entre uma encarnação e outra de erraticidade. Esse período variável é vivido por Espíritos de diferentes graus de evolução e pode ser aproveitado de várias maneiras, visando ao progresso espiritual. Os Espíritos nesse período não ficam circunscritos e, dependendo de sua condição espiritual, podem, até mesmo, visitar outros mundos. Outra condição desse período temporal é a de não isolamento. Como os Espíritos entram em contato uns com os outros e se agrupam na erraticidade? Muito simples: a lei de afinidade atrai os que se assemelham e é por isso que os Espíritos, respondendo a pergunta 160 de Allan Kardec (O Livro dos Espíritos), afirmam que encontraremos, ao desencarnar, “aqueles com quem mantivemos afeição recíproca e que quase sempre eles vêm nos receber” (negrito nosso). Como Jesus adiantou, “na casa do Pai há muitas moradas”. Em uma delas podemos permanecer durante algum tempo, não como punição ou recompensa de Deus, mas como um local com oportunidade de aprendizagem em atividades e estudos com Espíritos que nos são afins e estão em estágio semelhante ao nosso.
Ademais não podemos desprezar o fato de que, apesar de assumir muitos postulados cristãos, Allan Kardec, inspirado no racionalismo iluminista, afasta-se veementemente da versão católica do além, apoiando-se, como já mencionado, no termo erraticidade para explicitar a própria ideia de indefinição relativa às condições de vida no mundo espiritual.
No livro O céu e o Inferno, o codificador tanto critica a ideia de inferno, onde os séculos sucedem aos séculos sem esperança para os condenados, quanto discorda, e de forma taxativa, da ideia de purgatório, considerando a crença neste conceito o motivo que deu origem ao comércio das indulgências, causa primeira da Reforma (Cf. Kardec, A. O céu e o inferno, RJ: FEB, 1987, p. 63).
No terceiro capítulo de O Céu e o Inferno, dedicado ao céu, Kardec reprova também qualquer tentativa de localizar o céu (num sentido espacial ou geográfico):
“A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão” (Kardec, A. O Céu e o Inferno, RJ: FEB, 1987, p. 30). (Itálico nosso)
Precisamos ficar atentos para evitar o uso de modelos explicativos que aceitamos no passado e até ajudamos a difundir, mas que na atualidade não se ajustam ao ideal espírita. Lembremos que a Doutrina Espírita defende que nossos erros retornam para nós, sem necessidade de uma junta punitiva para essa finalidade. Por outro lado, o bem que fizermos também retorna, dando início à promessa de Jesus: O Reino de Deus está dentro de vós.

Notas:
Afastando-se das cautelas do Codificador, o livro Nosso Lar, por exemplo, diz sobre o Umbral: “uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma experiência terrena” (2002, p. 71). Com isso, Francisco Cândido Xavier, através do livro Nosso Lar, acaba por fixar uma versão espírita do além, e, de maneira distinta de Allan Kardec, agrega uma ênfase maior no aspecto religioso da Doutrina Espírita, bem como uma assimilação de elementos do catolicismo.
De forma geral, o além permanece vago na obra de Allan Kardec, entendendo ainda o codificador a existência na Terra como algo próximo à noção de purgatório proposta pela igreja católica – renascemos para nos aprimorar, mas, em razão de nossas debilidades, estamos sujeitos a provas e expiação, segundo a própria condição planetária. Mas, com uma diferença muito evidente, a “saída”, ou seja, qualquer status liberatório depende apenas do empenho pessoal de cada um, pois o único determinismo é evoluir (e, para isso, nascer de novo).
Referências:
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. RJ: FEB, 1994.
Kardec, A. O Céu e o Inferno. RJ: FEB, 1987.
Xavier, F. C./Espírito André Luiz. Nosso Lar. RJ: FEB, 2002.

           
ALMIR DEL PRETTE e EUGÊNIA PICK
                                                                                                            PAZ, MUITA PAZ!

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